segunda-feira, 30 de abril de 2007

Simples assim.

A mulher chega em casa e vê o marido estirado no chão. Aquele figurão da alta roda, homem conhecido e bem-sucedido na vida está pálido, mais que o normal para seus 75 anos. Ela, uma garota de 28, esperta o bastante, checa o pulso dele e sente que não há nada. Tira logo a conclusão e liga para sua melhor amiga:

- Amiga, pelo amor de Deus, o Argemiro morreu!

Sim, ele morreu. Não há nada que ela possa fazer para salvá-lo. A amiga rapidamente chega no local e tenta consolá-la:

- Calma, bem. Está tudo sob controle. É a ordem natural das coisas. Você vai superar essa.

- Eu sei, amiga... Ele era um homem bom. Vai ser fácil ter boas lembranças dele. O difícil vai ser providenciar tudo para o velório e o enterro.

Velório e enterro de grã-fino organizado pela esposa perua são eventos importantes. Tudo tem de estar impecável.

- Vou vesti-lo com aquele terno chiquerésimo e caríssimo que compramos para ele em Milão. Ora essa, ele tem que ter dignidade em todos os momentos, inclusive nesse, pôxa!

O velório será em casa mesmo. Os amigos dele estão resolvendo toda a parte burocrática, enquanto a viúva cuida do indispensável. Por exemplo: o caixão não pode ser um desses comuns demais. Deve ter detalhes em ouro. O Argemiro merece. O menu do velório deve ser chique. Na morte, um homem deve refletir aquilo que ganhou em vida. Logo, ela resolve contratar um chef francês para cuidar do assunto.

Um pouco antes da casa se abrir para o velório, ela checa sua lista de necessidades com a amiga:

- Velas do vaticano... OK. Chef François Frou-frou... OK. Caixão Luivitom com detalhes em ouro... OK. Fotógrafos da revista Faces... Meu deus! Esqueci de ligar!

A viúva deixou bem claro aos seguranças que o Repórter Santos e Sílvio Vesgo devem ser barrados na porta.

Tudo acertado, a casa é aberta. Os convidados (sim, convidados) são levados até o caixão por recepcionistas jovens e fortes, em trajes egípcios. A viúva tem um choro contido, e às vezes, sai para fumar e conversar com as melhores amigas. Lá fora ela ri muito.

A casa está lotada e todos elogiam muito a decoração do evento. As principais socialites da cidade comparecem: Cecita Lagrange, Verô Malheiros, Isa del Sarto e Antoinette Cruz de Barros & Barros. Todos apreciam bastante o cardápio requintado.

Depois de algum tempo, surgem as atrações internacionais: Um padre (trazido do Vaticano às pressas) ora e diz algumas palavras sobre o morto. Logo depois disso, entra em cena um coral americano maravilhoso, fazendo apresentações gospel A capella.

Passadas 12 horas, é hora do enterro. O caixão é levado até o carro fúnebre por quatro daqueles personagens egípcios. O carro é fantástico. Um Rolls-Royce preto, daqueles antigos. Argemiro era um grande homem.

O cortejo segue e tem uma pequena cobertura ao vivo da TV. Aquilo é um evento e tanto!

Finalmente, todos chegam ao cemitério. O caixão é levado até o santuário adquirido e todo aquele movimento desperta a curiosidade de muitos:

- Quem é aquele, hein?

- Era. Argemiro Jackson Senderos. Um figurão.

- Ahn, sei quem é. Era. A viúva deve estar comemorando. Melhor que qualquer Mega-Sena.

No santuário cabem todos os convidados. É algo imenso, com uma decoração tão impecável quanto a do velório. Não há coveiros. Existe uma estrutura para baixar o caixão até uma tumba. O negócio é de primeiro mundo. Finalmente o caixão é baixado e um vídeo mostrando a vida de Argemiro é projetado em uma tela de 200 polegadas.

Após o vídeo, todos vão pra casa. A viúva espera ansiosamente pelas notícias sobre o enterro nos jornais e revistas e vê que tudo foi bastante aprovado pela mídia. Capa da Faces e de vários jornais, o evento foi um sucesso. Ela fica satisfeita.

Agora é chorar durante uma semana e logo arrumar outro marido. Não precisa ser bonito, inteligente, jovem, nem suportável. Basta ser rico.

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